Cronica_nova_linguagem
NOVA LINGUAGEM
Heitor Rosa
Quando eu era um simples docente, cuidando de meus pacientes, graves, nas enfermarias; quando eu dedicava toda a minha vocação a ensinar o jovem de como ser médico e de como realmente examinar um doente; quando eu dirigia meu Serviço no Hospital, fazendo ou orientando pessoalmente um volumoso banco de dados da especialidade e encarregava-me de formar especialistas,; quando eu fazia tudo isso, não tinha tempo para ler e ouvir a nova linguagem que assola o meio acadêmico e burocrático. No meu mundo, as coisas simples eram ditas simplesmente. Apesar de Doutor e Titular, os títulos nunca me incomodaram nem serviram de pretexto para um Acidente Vascular Intelectual que enrolasse a minha lingua e linguagem, tornando-a incompreensível aos não-iniciados. Ah. Bons tempos nos quais o professor era um professor, cada função tinha seu próprio nome compreensível, aluno era chamado de aluno, hospital era hospital, gente era gente, e assim por diante.
Mas o meu mundo mudou quando fui levado à direção da Escola, e aí dei-me conta de que era um analfabeto na relativamente nova linguagem acadêmica e burocrática. De saída, fiquei sabendo que eu não era um diretor, mas um gestor, e só percebi essa mudança de posto ou qualificação, quando os ofícios, projetos e artigos excluíam o velho, saudoso e respeitoso nome de diretor.
“Decifra-me ou te devoro”, frase fatal que todos conhecem a origem, mas era assim que eu me sentia e sinto ao ler ou ouvir relatórios, projetos ou estéreis discussões em academês.
Não sou contra a academia, pois a ela pertenço; não sou contra doutores, pois sou um deles. O que me incomoda é o pernosticismo da linguagem, que envernizada de neologismos e estrangeirismos, é utilizada para dar ao leitor ou ouvinte a impressão de atualidade, erudição no assunto, domínio do tema como se fora o autor de tais idéias.
Meditando sobre essa nova forma de comunicação verbal ou escrita, lembrei-me de que Schopenhauer já havia criticado isso no século XIX, e que meu azedume não era nada original. Esta crônica é perfeitamente dispensável para aqueles que conhecem ou adquirirem seu pequeno volume chamado “A arte de escrever”. Mas vou recordar algumas linhas escritas pelo filósofo. Essas pessoas apresentam o que têm a dizer em fórmulas forçadas, difíceis, com neologismos e frases prolixas...Gostariam de expor o pensamento de modo a lhe dar uma aparência erudita e profunda, para que as pessoas achem que há, por trás deles, mais do que percebem no momento.
Os donos do poder educacional ou científico conseguem desvirtuar nosso idioma ao misturarem o espanhol, inglês e a informática num caldeirão cerebral, formando um léxico sem nenhuma imaginação e que será repetido por todos que se considerarem atualizados.
Assim, diretor é gestor, uma equipe de professores, alunos,doentes,etc, são atores; o orientador ou instrutor é facilitador; um único parâmetro é uma coisa pontual, o local de trabalho é um cenário, a manutenção de um método de trabalho é o respeito à transversalidade que garante a continuidade..,a conjunção enquanto é transformada em advérbio; a demonstração é facilitar a leitura da realidade vivenciada na experiência de participação do aluno..., a formação de um médico generalista é uma des-especialização ,atender num posto de saúde é uma des-hospitalização, um método ou idéia é uma ferramenta, uma reunião de trabalho é uma oficina e assim por diante.
Quando eu achei que já estava quase adaptado ao academês ministerial, fui surpreendido com uma reprimenda numa prestação de contas. Fiquei sabendo que uma verba não poderia ser usada em lanches, mas apenas em coffe-break (em inglês mesmo). Coffee-break é o termo oficial para o intervalo de qualquer evento oficial ou científico, significando algo sério, rápido e parcimonioso, enquanto que lanche já é malandragem, quase um piquenique.
Atualmente, ao escrever um relatório, tenho o receio de não ser entendido por usar palavras simples ou ser interpretado como um ingênuo e provinciano diretor, digo, gestor. Seria quase um suplente de senador, que ainda não conhece os meandros atapetados do edifício do poder ou da erudição.