Cronica_dos_perigos
Crônica Dos perigos de um parto normal Heitor Rosa Senha 98! Senha 98! É você? Pode entrar, tira a calcinha e deita nessa cama. - A senhora é a doutora? - Isso mesmo. Tenho cara de faxineira? - Não senhora. Só queria falar que queremos parto normal. - Quem queremos? São duas gestantes? - Queremos, eu e meu marido. - Ah. Depende. Nunca vi marido parir, portanto não tem que dar palpite. Quem escolhe por onde parir é a mulher ou o médico. Quem vai parir é a senhora? - Claro que sou eu. Olha a minha barriga. - Claro coisa nenhuma. Olha o tamanho da minha e eu não estou grávida. Além do mais, toda hora chega uma mãe pra me dizer de como quer que a filha tenha filho. O que a senhora chama de normal? - Normal de normal, como eu nasci. - Eu não sei como a senhora nasceu, mas se foi pela via tradicional, não é normal, foi uma aberração. Normal é a cesariana. Normal e civilizada. - Mas eu e meus seis irmãos nascemos de parto normal, pela vagina, sim senhora. - Vocês apenas escaparam. Além do mais, quem decide por onde vai sair esse pobre infeliz sou eu, a obstetra. - Mas eu não quero ser operada. - Mas para fazer cesariana tem de operar. - Mas eu exijo parto normal! - Escuta aqui, minha filha. Pobre não exige nada. Mas como estou com paciência, vou explicar. Você está desnutrida, desempregada, marido ganhando um quinto do salário...É ou não é? - Mais ou menos. - Claro que é. Se você for operada, vai tomar banho, ganhar cama e comida de graça por três ou quatro dias. - Mas também posso ter hemorragia, tomar sangue contaminado, ter uma infecção hospitalar... - Qual foi a palhaço que pôs essas coisas na sua cabeça? - O médico da minha avó. - Deve ser um velho gagá, ultrapassado e que não atende convênio nem dá plantão. - Mas eu quero sentir o meu parto. - Além de pobre, é masoquista. Quer sofrer pra depois contar a todo mundo como é a dor do parto. Olha aqui, minha filha. Você pode querer esse parto anormal, tudo bem, mas eu não vou ficar de plantão na véspera do Natal esperando a senhora resolver parir. Além disso, eu tenho que entrar em férias... - E se eu pagar? - Como é? Você quer pagar o que? - O parto normal. - Eu não acredito. Você tem um parto por cesariana de graça e quer pagar um anormal. - Normal, eu acho. - Eu devia ter feito dermatologia, tratar rugas de madame e sardas de adolescente. Não tem plantão, não tem urgência e ninguém discute. Mas essa burra aqui foi fazer obstetrícia. Abre as pernas. Faz força para baixo, não grita, faz força... Eu me odeio. - Mas se fizer meu parto normal, eu vou te amar. - Duvido. Médico de serviço público não recebe agradecimento, só denúncia em jornal e às vezes propina, como essa. Não conta comigo. - Juro que vou te amar. Quer ser madrinha do meu bebê? - Qual vai ser o nome dele? - Jorge Buchi . - Só se for para o Bin Laden batizar. Isso é nome de veado. Põe nome de gente brasileira que eu batizo. - Como é que a senhora chama? - Sandra. - Então ele vai se chamar Sandro. - Lindo, comadre. Entra aqui para eu examinar. Abre as perninhas. |