Cronica da FAZENDAS E CHÁCARAS

Crônica

 
 
                             FAZENDAS E CHÁCARAS
                                                                                                   Heitor Rosa
 
Não tenho nenhuma tradição rural,mas isso nunca me impediu de aceitar convites para visitar ou passar alguns dias numa fazenda. Sempre aceitei mas raramente fui; sei até quantas vezes: uma.
Fazenda, como se sabe, é uma grande extensão de terra cercada por outras fazendas, geralmente longe da cidade de onde você mora. O acesso é realizado por caminhonetes e outros veículos mais rudes, capazes de passarem em trilhas estreitas de “costelas de vaca” e com capim alto no meio. Já o carro japonês não consegue vencer esses pequenos inconvenientes. É o caso do meu. Associando então esses dois fatores, falta de prática rural familiar e carro despreparado para essas adversidades, não vou nem tenho fazenda.
Acho que já perdi grandes oportunidades de ser fazendeiro, e não foi por falta de quem quisesse me ajudar a ter muito gado ou uma grande lavoura. Acho difícil decidir entre uma atividade e outra, e sou favorável a repartir o terreno com as duas, metade para gado, metade para lavoura. Me disseram que assim não dá certo. Não sei. Talvez seja porque os animais não suportam bem uma borrifada de herbicida. Pode ser! Mas creio que meu elemento de maior indecisão seja realmente o veículo. Foi assim que eu recusei uma generosa oferta, a preço de banana e por pura amizade, para adquirir vinte mil alqueires de excelentes terras no interior do Pará e uma fazenda de criação de búfalos, um pouco mais acima (uns oitocentos quilômetros,acho).
-Vinte mil alqueires, puxa, não é muita coisa? perguntei ao corretor,mesmo sem ter certeza das medidas de um alqueire.
-Que nada. Qualquer fazendeiro moderno não tem menos do que isso. Em um quarto da terra você coloca o seu gado, um quarto você aluga para hospedar bois, o outro quarto você faz uma lavourinha irrigada, soja ou arroz, e na área restante você corta madeira. Já acertamos tudo com o Ibama, o Incra e a Funai. É a chance da sua vida.
-Posso ir lá de carro?
-Pode,claro. Qualquer landrover chega lá.
-E carro japonês, chega?
-Chega também. O senhor vai até Marabá e deixa o carro com nosso pessoal; aí atravessa o rio na barca e desce para São Félix; de lá a Entre Rios é um pulo. Tem um pessoal que mora por lá,mas a gente manda sair.
Realmente, tudo muito prático, mas de tanto ouvir as conversas de meus amigos , sobre compra e venda de fazendas, fiz a pergunta que então achei certeira:
-Esse preço é de porteira fechada?
-Lá não tem porteira.
A resposta me desorientou . Como não tem? Toda fazenda tem porteira, que é por onde a gente entra. Se não tem, com saber por onde entrar? E só em pensar que eu teria que fazer uma, àquela distância,desisti. Não deu negócio.
Então por que não comprar uma chácara? Não exige prática, nem tradição ou vocação. Assim dizem e tentam me convencer os amigos. Chácara, como se sabe, é uma pequena extensão de terra cercada de asfalto e cheia de carros. Ao contrário da fazenda, é perto de sua casa e pode ir até lá em carro japonês.Todas a vinte minutos do centro, como apregoam os anúncios.
A chácara é um símbolo. Refúgio, recanto,paz,poesia,beleza,charme,status; mil e uma utilidades. Delicada. Em vez lavoura, pomar; rebanho por gadinho.Lago com cisnes e carpas.Harmonia.Você constrói a natureza, compõe a paisagem e cria um quadro ao vivo.
Foi com esses argumentos que Herodes (que o inferno o tenha), um ex-vendedor de enciclopédias e coleções de livros, convertido a corretor de chácaras e grandes lotes, me convenceu a adquirir uma. A que ele estava vendendo era o meu perfil; perto de casa, podia ir em carro japonês e pronta para materializar o meu bom gosto e sonho artístico.
-Com sua sensibilidade, o senhor vai dar vida à natureza.
-Ora, nem tanto... 
Combinamos a visita ao paraíso para um domingo.Propôs irmos no meu carro, como garantia da existência de uma estrada suave para veículos de fino trato.Por medida de segurança, convidei um íntimo amigo para dar seu parecer, pessoa entendida em terras e benfeitorias de fazenda.
 Saímos os três no horário previsto. Discretamente marquei a hora: nove horas; pela conversa do corretor, em vinte minutos estaríamos na MINHA chácara. Esse foi o tempo que gastamos para sair da cidade. Outros trinta minutos e ainda estávamos na estrada.
-O senhor disse que eram apenas vinte minutos
-Pois é, já estamos chegando.
-Vinte, desde minha casa.
            Também marquei a quilometragem. Estava sendo enganado. Considerando tudo,já havíamos percorrido quase trinta quilômetros,sendo onze em estrada de chão. Estava decidido a voltar.
            -Pode parar moço, disse-me finalmente Herodes.
            Obedeci. Parecia que ele também desistira.
-Aqui estamos. Eis o paraíso,meu amigo.
-Onde?
-À sua frente, gritou ele, após sair do carro.
À minha frente escancarava-se um cerrado povoado por árvores retorcidas. Aqui e acolá algumas árvores mais altas e de copas largas. Recusei-me a descer.
-Cadê o resto?
-Que resto?
-O lago, o pomar, as alamedas sombreiras e floridas,a casinha.
-Tudo isso o senhor vai criar. Aquele pequeno regato ali adiante pode ser represado para o futuro lago; naquele monte o senhor construirá a casa de seus sonhos; toda aquela terra ao longe será transformada em pasto e lá do outro lado será o pomar. Claro, que são apenas sugestões, o senhor é quem vai planejar. Agora vamos descer até aquele riacho, onde estão as bananeiras, os pés de jabuticabas e a casinha do antigo dono. Dez minutinhos.
-Daqui eu volto,senhor Herodes.E o senhor fica.
-Seu moço doutor, o senhor está nervoso sem motivo.Chácara mais perto do que essa só nos parques da prefeitura. Escute, não se precipite.
-Seu Herodes,desta vez o senhor não vai lavar as mãos e sair impune. Vai voltar a pé, pois sendo tão perto como o senhor diz, a distância até a sua casa será um passeio. E eu não sou nenhum bandeirante para desbravar este pedaço de chão.
Procurei apoio no amigo, que até então se mantinha calado, saboreando aquele despropósito e sem querer interferir na minha indignação.
-Você acha que esse troço aqui vira chácara?
-Que vira,vira, mas no seu caso acho melhor comprar uma ação de um clube de campo.
 Foi o que eu fiz. Amigo é pra essas coisas.